A série The Purge já conta com duas temporadas no Amazon Prime Video, a primeira de 2018 e a última lançada há pouco, no final de 2019. É baseada na série de filmes de mesmo nome (que ganhou o título de Noite de Crime aqui no Brasil), criada e escrita por James DeMonaco. O enredo se passa em um futuro distópico não muito distante, quando foi instituído nos Estados Unidos o chamado Expurgo (The Purge Night, em inglês, daí o nome da série), uma noite na qual por 12 horas ininterruptas todos os crimes, inclusive assassinatos, são permitidos.

Por uma noite, portanto, o país se entrega à total anarquia, e cada um que queira se manter vivo precisa saber muito bem se esconder e cuidar de quem deseja proteger. Os mais pacíficos se fecham em sistemas de segurança dentro de suas casas, montam barricadas e se unem para ficarem vivos. Mas é uma noite também para os mais sedentos por sangue saírem por aí à procura de vítimas, afinal, se fizerem isso dentro das 12 horas, não serão punidos.

A beleza da série de filmes The Purge é tentar explorar a que ponto chegaria a moralidade humana em um mundo sem regras. A experiência social proposta no filme é vendida dentro da história como uma tentativa de melhorar a sociedade, afinal, teoricamente, se cada um tiver à disposição um dia do ano para matar, roubar ou fazer algo ilegal, não teria porque pensar em fazer isso nos outros 364 dias. Teve um desentendimento com alguém ou seu chefe é um tirano? Se matá-los no dia do Expurgo, você se livra do problema e não precisa responder a processo algum.

Nos filmes, o foco está nos dramas que tal anarquia provoca nas pessoas, fazendo-as muitas vezes refletirem sobre o valor da vida e o significado da data: será que realmente está ajudando a evitar crimes? Mas, ainda que esses dramas sejam bem trabalhados, acabam ficando muito rasos perto de toda a barbárie mostrada. É, portanto, uma ideia muito bem vinda realizar uma série com a mesma temática, porque aí há mais tempo para desenvolver os personagens e mostrar seus medos e motivações.

Primeira temporada de The Purge

A primeira temporada segue o mesmo esquema dos filmes. Momentos antes do Expurgo, somos apresentados a alguns pobres coitados que, presumidamente, acompanharemos pela longa noite que se inicia.

Há vários núcleos: o militar da Marinha, Miguel Guerrero, que chega à cidade à procura da irmã, Penelope, envolvida em uma seita suicida; o casal Jenna e Rick Betancourt, pequenos empresários que vão participar de sua primeira festa entre a alta sociedade; a executiva de finanças Jane Barbour, que foi designada para fechar um importante contrato para a empresa justamente durante o Expurgo. Outros vão surgindo ao longo da trama e ganham importância depois da metade da temporada.

Como é de se esperar, em algum momento os caminhos de todos vão se cruzar, e a sobrevivência durante o Expurgo depende muito de tentar cometer o menor número possível de erros. É aí que o espectador pode se irritar um pouco no início, pois os personagens parecem não ter um grande senso do perigo, tomando atitudes que em qualquer situação similar seriam totalmente insensatas do tipo “vou sair aqui desse lugar seguro onde estou pra andar um pouquinho nessa rua deserta, tem perigo não…”.

Apesar disso, entendemos que, como essa data faz parte daquela realidade, as pessoas estão de certa forma acostumadas a lidar com a situação (e não apresentam o mesmo medo excessivo que temos ao imaginar a possibilidade). Outra coisa é que as motivações dos personagens, muito bem trabalhadas ao longo da trama, nos dão uma dimensão melhor para entender por que estão fazendo isso. Se você tiver paciência, com certeza vai acabar se envolvendo e vai gostar.

The Purge mostra a ordem cronológica da noite e vai nos colocando inúmeros flashbacks para explicar as ações que os personagens tomam. Apesar de parecer chato, esses flashbacks são rápidos e não interrompem o fluxo da história, que vai se mostrando cada vez mais intensa conforme vão passando as horas. O final, mesmo um tanto óbvio, é digno e não deve nada a qualquer das ótimas séries de ação que temos visto nos últimos anos.

Segunda temporada de The Purge

A segunda temporada já procura inovar no início. Se em todos os filmes, e também na primeira temporada da série, iniciamos com alguns protagonistas se preparando para a noite do Expurgo, aqui ela já está quase no fim. Quando ela acaba, resta aos personagens (todos diferentes da primeira temporada) lidarem com as consequências.

Aí estão o médico Marcus, tentando descobrir quem quis matá-lo no Expurgo; o ex-policial Ryan Grant, que ganha a vida realizando roubos a bancos durante a data; a funcionária do serviço de vigilância do governo Esme Carmona, que investiga casos relacionados à noite de crime; e o estudante Ben Gardner, que começa a enlouquecer logo após quase ser expurgado.

Nunca antes nas histórias havia se explorado esse outro lado, o de como sobreviver em uma realidade na qual as pessoas vivem em função de esperar sempre pela próxima The Purge Night. A trama vai se desenvolvendo muito bem até que, como na primeira temporada, os caminhos de todos esses protagonistas vão se cruzando. Trabalhando no mesmo esquema de flashbacks explicativos, vamos entendendo como se desenrola a vida até o próximo Expurgo.

É um desvio de perspectiva muito interessante, e mostra como é complicado viver em uma sociedade sem regras, ainda que seja apenas por uma noite. The Purge é uma série que sem dúvidas mexe com nossos sentimentos, mas nesta segunda temporada conseguiu superar o próprio plot ao nos surpreender com essas histórias diferentes.

https://www.youtube.com/watch?v=maHVsw2raqw

Claro que a realidade americana é muito diferente da nossa, mas as questões discutidas ao longo da série são universais e nos fazem refletir bastante sobre a ética dos nossos tempos. Embora haja muita violência, não há um conteúdo tão explícito, e também não há tantos efeitos visuais como nos filmes. São histórias bem introspectivas até, focando nos dramas e nas (re)ações necessárias para se adaptar a uma realidade opressora.

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