O Clube dos Canibais é um terror/suspense brasileiro que já havia sido lançado no exterior, mas só agora chega aos cinemas nacionais. O roteiro se baseia em uma história real, que ocorreu em Porto Alegre em meados do século XIX, caso que ficou conhecido como os Crimes da Rua do Arvoredo. Um casal atraía suas vítimas (homens ricos seduzidos pela mulher) para roubá-las e matá-las. Para se livrarem do corpo, fabricavam linguiça com a carne, que era inclusive vendida em um açougue da cidade (tudo com ajuda do açougueiro).
Aproveitando-se dessa premissa, o diretor Guto Parente insere a história em um outro contexto: a capital do Ceará, Fortaleza, atualmente. O casal criminoso é Otávio (Tavinho Teixeira) e Gilda (Ana Luiza Rios), que possuem uma bela propriedade à beira da praia, onde têm muitos empregados. Os dois atraem jovens sem instrução e desesperados por emprego para sua casa e Gilda os seduz. Enquanto Otávio finge que vai fazer uma viagem, ela leva o pobre empregado para a cama, e no meio do ato o marido aparece com um machado para acertar a vítima na cabeça. Depois, um churrasco ou um belo jantar confirma que o destino do empregado foi o estômago dos patrões.
Essa é uma metáfora poderosa e certamente diz muito sobre nosso mundo e nossa sociedade. Se no mundo real os patrões não comem literalmente seus funcionários (ao menos isso não é algo comum), a questão é que sempre somos absorvidos por alguma força maior, o que naturalmente nos faz sentir dessa forma. Por mais que um clube dos canibais não seja algo visto por aí, certamente isso mexe conosco. Porém, mesmo uma metáfora poderosa não é argumento para segurar um filme. É preciso, antes de mais nada, os elementos narrativos básicos (tempo, espaço, foco narrativo, personagens e enredo), e é já nesse ponto que o filme escorrega por completo.
Primeiro, os personagens: Otávio faz parte de um seleto grupo, com outros homens que, assim como ele, apreciam “queimar uma carninha” de pobre, mas sua construção é extremamente frágil e superficial, nem de longe exibindo a profundidade que demandaria a mensagem do texto. Gilda parece mais uma ninfomaníaca que achou uma forma de agradar duplamente ao marido. Ela até ganha uma pequena carga dramática em certo momento, mas também fica extremamente superficial quando acaba virando apenas o objeto de um jogo sexual. E isso nem parece ser culpa dos atores, mas do roteiro que não consegue apresentar coesão entre uma cena e outra.
Além disso, o enredo patina bastante por se esquecer de uma questão fundamental para qualquer história: o foco narrativo. Apresentar uma história sem protagonista ou sem dar qualquer destaque a algum elemento em especial é uma estratégia experimentalista bem arriscada, e o diretor e roteirista não foi feliz nessa tentativa. O espectador não consegue entender sob qual ponto de vista a história é contada, tendo a impressão de que ninguém ali é importante o suficiente para ter alguns minutos a mais de tela e exibir alguma relevância. Personagens vêm e vão sem que consigamos sentir algo por eles, seja raiva ou simpatia. E se ninguém é importante, ficamos nos perguntando qual o sentido de contar a história.
Há uma tentativa de desenvolver uma trama paralela com um deputado amigo de Otávio, conhecido como Borges (Pedro Domingues). Supostamente, esse homem é o líder do clube dos canibais, mas sua influência fica restrita a algumas poucas e frágeis falas do casal “protagonista”. Quando ele precisa aparecer e tomar as rédeas, passa-se apenas por um bobalhão atrapalhado, que não tem o menor cuidado de esconder seus rastros. Outra coisa é que sua importância na trama se resume a um discurso hipócrita na mesa de jantar do clube.
E o mais curioso é que naquele momento que a história não precisa mais de um herói (e o espectador já nem acredita que haverá um), ele surge sem motivo algum, e sem o apelo necessário para nos apegarmos a ele. Em resumo, uma história bem sem pé nem cabeça, que só se atrapalha em suas reviravoltas, e ainda por cima nem tem um tempo bom o suficiente (menos de 1h20 de tela propriamente) para amarrar as próprias pontas soltas. Mesmo se considerarmos que a intenção era se divertir com o sangue e as vísceras expostas, é muito pouco para tornar agradável a experiência.
Acreditamos no potencial do cinema nacional e sabemos que produção e direção certamente tiveram um grande trabalho. Porém, se o resultado deixa o espectador com a sensação de tempo perdido, é melhor repensar antes de colocar o filme no ar. O Clube dos Canibais acaba sendo uma obra memorável apenas se considerarmos que é modelo de como não fazer um terror trash.
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