Falar sobre ciência em pleno 2021, em meio a uma pandemia que matou milhões de pessoas, não é uma tarefa fácil. E Não Olhe Para Cima (Don’t Look Up), longa dirigido por Adam McKay coloca o dedo na ferida do negacionismo de uma maneira que fica difícil não traçar paralelos com certas personalidades políticas.
Leonardo DiCaprio (nome que causa calafrios naqueles que pouco se importam com a Amazônia) interpreta o Dr. Randall Mindy, que ao lado de Kate Dibiasky (papel de Jennifer Lawrence) descobrem um cometa em rota de colisão direta com o planeta Terra.
Ao apresentarem a gravidade da situação para Orlean (Meryl Streep) e Jason (Jonah Hill), a presidente dos Estados Unidos e seu filho desprovido de inteligência, são tratados com desdém e obrigados a manter o segredo sobre a situação, afinal, os cientistas que fizeram cálculos e mais cálculos poderiam estarem enganados e o possível cometa que ocasionaria o fim da espécie humana poderia não passar de um cometazinho.
Abandonados pelo poder público, resta à dupla de cientistas e ao Dr. Oglethorpe (Rob Morgan) procurar a imprensa para denunciar a situação e alertar a população. Mas como despertar as pessoas quando estão imersas em fofocas de famosos e batalhas nas redes sociais? Como alertar a população quando a própria mídia ignora a questão em troca de benesses governamentais e a busca desenfreada pela audiência a qualquer custo?
Se em A Grande Aposta e Vice McKay cutucou a elite financeira e política de uma certa forma mais restrita aos Estados Unidos, agora o diretor aproveita o alcance global da Netflix para não apenas cutucar, mas despertar a ira de negacionistas e conspiracionistas que viram no longa a oportunidade de fazer aquilo que andam fazendo de melhor desde março de 2020: desopilar o costumeiro ódio gratuito contra a ciência numa tentativa desvairada de defender figuras messiânicas que buscam a manutenção do poder a qualquer custo, até mesmo a vida dos cidadãos comuns.
McKay e seu elenco estrelado conseguem fazer de Não Olhe Para Cima um dos filmes mais engraçados do ano, e também um dos mais deprimentes. É como se o riso disfarçado soasse como o badalar de uma contagem regressiva que ainda não fazemos ideia quando chegará ao fim, embora possamos imaginar o que acontecerá em seu término.
Não Olhe Para Cima consegue despertar sentimentos confusos daqueles que ainda conseguem se manter sãos em meio às turbulências físicas e emocionais causadas pela pandemia mais cruel do século.
É um alerta desesperador às autoridades que privilegiam o capitalismo exploratório em face ao desenvolvimento sustentável, aproveitando-se da cultura midiática e indiferença popular de uma sociedade que está mais preocupada com likes e hashtags, até mesmo diante do fim do mundo.
Chega a ser inacreditável que Não Olhe Para Cima seja uma metáfora para o perigo das mudanças climáticas escrita por Adam McKay ainda antes da pandemia, segundo palavras do próprio diretor. O longa, que pode soar como uma peça satírica genial aos olhos dos americanos, não passa de uma terça-feira comum no cotidiano dos brasileiros.
Ainda assim é de se elogiar que McKay e Netflix tenham conseguido tamanho burburinho com Não Olhe Para Cima, talvez esse desconforto disfarçado de comédia seja o impulso que precisamos para podermos insurgir em meio ao negacionismo dominante que compromete o nosso futuro.
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