Morto não Fala é um filme brasileiro do diretor Dennison Ramalho, produzido pela Globo Filmes, que a exemplo de Clube dos Canibais, que já comentamos aqui, faz sua estreia no Brasil depois de já ter rodado pelo mundo em serviços de streaming. A história é baseada no conto homônimo de Marco de Castro, e foi elaborada inicialmente como uma série, mas acabou mesmo ganhando o formato de filme.
O enredo de Morto não Fala se concentra em Stênio (Daniel de Oliveira), que trabalha no IML fazendo liberação dos corpos que chegam durante a madrugada. Mas esse não é um trabalho tão chato ou assustador como pode parecer, pois ele é capaz de conversar com os mortos, ouvindo suas confissões mais íntimas, justamente naquele momento que eles se desprendem da vida e de qualquer convenção social. Assim, Stênio fica sabendo de segredos que outras pessoas jamais imaginariam.
É com esse dom que o protagonista inicia o conflito da trama. Ele vive uma relação conjugal complicada com Odete (Fabíula Nascimento), com quem tem dois filhos, e mora na periferia da cidade, um local que se mostra bastante violento. Ela constantemente o acusa de ser omisso e de não procurar por uma vida melhor para ela e os filhos. Ele, por sua vez, demonstra se entreter ao ouvir cada história dos novos mortos que chegam durante a madrugada, até que um dia, juntando as peças, descobre que Odete o traía, e justamente com o dono de uma padaria (Marco Ricca) na qual ele tomava café depois das noites de trabalho.
A partir daí, vemos um drama se misturar com o terror, o que à primeira vista parece muito interessante, mas a montagem final pode desagradar um pouco. Falo isso principalmente para as pessoas que não gostam muito de filmes que transitam entre um gênero e outro, ainda mais considerando o terror, com seu habitual ritmo mais frenético (lógico que há exceções), e o drama, que demanda uma paciência maior do espectador. O diretor tenta misturar os dois muitas vezes em cenas consecutivas, criando uma atmosfera em que, ao mesmo tempo que se recuperam de um susto, os personagens param para refletir sobre a vida.
Isso não é um problema, de forma alguma, ainda mais quando consideramos o fundo social que fica como plano de fundo de toda a trama. Não se discute como surgiu o dom de Stênio em falar com os mortos, mas percebemos que se trata de uma consequência de todas as suas infinitas horas em um trabalho que paga mal e ainda o absorve por completo. Por outro lado, enfrentar o desprezo constante de Odete, além do ambiente de violência em que vivem, potencializa as paranoias do protagonista, que ganha uma interpretação muito convincente pelo sempre versátil Daniel de Oliveira.
Odete, por sua vez, se apresenta como uma personagem um tanto clichê no início (como a mulher escandalosa da periferia), mas ganha profundidade no enredo e chega a se tornar aterrorizante com o passar da trama. Ainda no plano social, o filme toca na influência de alguns programas religiosos sensacionalistas que mostram sessões de exorcismo na TV enquanto as pessoas estão vivendo suas vidas (tomando café, se preparando para dormir etc.). Tudo isso ambienta o espectador em uma atmosfera tensa.
Os efeitos especiais escolhidos para representar os mortos falando (ironizando o ‘Morto não Fala’ do título), embora já tenham recebido elogios mundo afora, podem desagradar os olhos e ouvidos da maioria. O diretor optou por inserir digitalmente o rosto dos atores em bonecos, numa tentativa de intensificar a sensação de imobilidade do morto (que só poderia ter expressões faciais, com absolutamente todo o restante estático).
Sem dúvida, funciona para essa intenção, mas fica em alguns momentos muito artificial, principalmente quando não se deu muito bem o “encaixe” do rosto. Outra coisa é que as vozes dos cadáveres receberam um autotune que torna algumas falas de difícil compreensão, algo que poderia ser dispensado, mas que provavelmente foi usado para imergir na atmosfera de terror.
Por fim, Morto não Fala foge dos clichês habituais do cinema brasileiro, trazendo um gênero pouco explorado por aqui (o terror) misturado a um drama psicológico bastante intenso. É sem dúvida uma produção ousada e muito bem acabada. Fica apenas o alerta para você que é mais ávido por ação e jump scares: tenha paciência que o filme pode te agradar.
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