Parafraseando The Prestige (Christopher Nolan), “todo grande truque de mágica consiste em três atos: a promessa, a virada e o grande truque”. Talvez esta seja uma descrição que se encaixe bem à trilogia criada por M. Night Shyamalan, composta de Corpo Fechado, Fragmentado e agora, Vidro.
Corpo Fechado é o primeiro ato, somos apresentados a algo extraordinário para apreciarmos, inspecionarmos e pensarmos que trata-se de uma obra isolada. E é aí que somos “enganados” pela primeira vez, já que o filme faz parte de algo maior como o final de Fragmentado nos prova.
O segundo ato é Fragmentado, o filme que nos apresentou A Horda através da assombrosa performance de James McAvoy. Devido ao Transtorno Dissociativo de Identidade do personagem principal e o mistério sobre sua origem, buscamos a todo instante por um segredo que não encontramos. E não encontramos por não estarmos olhando atentamente, já que um dos principais segredos da trilogia é rapidamente mencionado nesse filme.
Vidro (Glass) representa o terceiro e derradeiro ato, quando M. Night Shyamalan assume riscos ao reviver essa mitologia criada há 19 anos para entregar um desfecho completamente diferente do que estamos acostumados a ver em filmes do gênero de super-heróis. É quando surge a grande reviravolta e vemos o “grande truque”, quando tudo fica suspenso e ficamos embasbacados ao ver algo chocante e que não havíamos percebido antes.
Como história, é assombroso pensar que o diretor tinha essa ideia desde o início e esperou quase vinte anos para a conclusão de sua obra. Se Corpo Fechado e Fragmentado funcionam bem como filmes isolados, Vidro depende exclusivamente de seus antecessores e é o filme que mais se aproxima da adaptação de um quadrinho.
A descrença na existência de seres superpoderosos, a busca desses seres por seus lugares no mundo e a necessidade de se manter um equilíbrio na humanidade são alguns dos diferenciais de Vidro em relação a outros filmes do gênero, diferenciais que são brilhantemente expostos em tela por seus protagonistas e pela coragem de M. Night Shyamalan em tomar decisões que outros diretores não tomam com receio de como isso será recebido.
Em Vidro, David (Bruce Willis) já é um vigilante que busca pelo Horda (James McAvoy) desde o início do filme (que se passa três semanas após Fragmentado), e sem entrar em spoilers, ambos acabam sendo manipulados por Elijah (Samuel L. Jackson) que busca mostrar ao mundo a existência de pessoas com habilidades especiais. Não se trata de um plano de dominação mundial, do resgate da cidade em troca do bilhão de dólares, não, trata-se de expor a realidade para o mundo, algo que os X-Men tentavam até ocultar em seus filmes, com medo da reação do mundo.
O diretor opta pelo uso de paleta de cores ao invés de uniformes para identificar cada personagem e isso se estende a seus parceiros, e embora seja bem colorido, o tom soturno do filme não lembra em nada a adaptações recentes como Guerra Infinita ou Aquaman. É um filme de super-heróis que representa a antítese dessas obras e para isso o diretor se apoia na psicologia das cores para transmitir sua mensagem sobre cada protagonista.
Se David Dunn e A Horda ainda não entendem quais são seus papéis nesse jogo, Elijah compete em pé de igualdade com a Dra. Staple (Sarah Paulson), numa atuação de Samuel L. Jackson que nos permite imaginar que seu personagem parece saber que está em um filme, tamanha a inteligência que o vilão administra toda a situação, explicando ao espectador todo o desenrolar da história e comparando cada momento com algo já visto em quadrinhos. É quase uma quebra da quarta parede!
Vidro nos deixa atônitos ao apresentar uma história cheia de clichês, mas ainda assim original ao ponto de dividir crítica e opinião do público. Não é errado dizer que a crítica é relativa, um filme pode ser muito bem avaliado pela crítica especializada e esquecido pouco tempo depois. Mas somente grandes filmes são capazes de dividir público e crítica e ainda assim promover debates após longo tempo.
Não se engane, esse não é um filme de heróis e vilões, e após apresentar os três atos de seu grande truque, o diretor nos engana mais uma vez ao entregar um final que pode parecer banal, mas que exige de nossa parte um desprendimento de fórmulas adotadas em franquias de super-heróis para compreendermos a magnitude de suas intenções.
M. Night Shyamalan faz de Vidro (Glass) a sua carta de amor endereçada aos filmes de super-heróis. Se fomos enganados ou não ao acreditar que este é o encerramento desse universo, só o tempo e o diretor podem dizer!
[rwp-reviewer-rating-stars id=”0″]
Deixe um comentário