No filme Star Trek de 2009, Spock (Leonard Nimoy) diz a Kirk (Chris Pine): “vocês precisam um do outro. Uma amizade que vai definir a ambos de jeitos que você ainda não percebe”. Essa foi a primeira coisa que me lembrei ao término de Turma da Mônica: Laços, filme que adapta a graphic novel da turminha, explicarei adiante.
A trama do filme é tão simples quanto qualquer gibi da Turma da Mônica e mostra o sumiço de Floquinho, o cachorro verde de Cebolinha (e sim, o cachorro é verde e não ficou nem um pouco estranho) e os amigos se reunindo para procurar pelo cãozinho. O roteiro Thiago Dottori utiliza-se da simplicidade da história como um todo para inserir ao longo da trajetória da turminha, poderosas mensagens sobre amor, amizade, perdão.
O que se percebe desde o início é que a direção de Daniel Rezende (Bingo: O Rei das Manhãs) preocupou-se em tratar as crianças como realmente são: crianças. E nada mais que isso! Crianças que brincam, aprontam, brigam e fazem as pazes para voltar a brincar.
A adaptação da graphic novel escrita e ilustrada por Vitor Cafaggi e Lu Cafaggi é fiel ao material original na história e também visualmente. Diversas cenas são reproduzidas fielmente e a riqueza de detalhes da produção como um todo é de encher os olhos. O bairro do Limoeiro é tirado diretamente dos gibis, um lugar alheio ao restante do mundo com quintais divididos por cercas, casas com aspecto acolhedor e crianças brincando na rua.
Algo que chamou a atenção e foi um acerto e tanto do filme foi a decisão de não incluírem na trama o uso de tecnologia, nada de internet, smartphones ou computadores. Ao abrir mão desse recurso, a trama foca no relacionamento entre os personagens e nos faz pensar se a forma como tratamos as crianças atualmente, tão novas e sempre conectadas a algum aparato tecnológico para se entreter.
O elenco encaixa-se perfeitamente aos papéis. Do elenco de apoio, Monica Iozzi como Luísa (mãe da Mônica) e Paulo Vilhena (seu Cebola) não tem tanto tempo de tela para desenvolver seus personagens, mas Fafá Rennó brilha como Dona Cebola. Porém, é a participação especial de Rodrigo Santoro como Licurgo Orival Umbelino Cafiaspirino de Oliveira – o popular Louco – é um dos momentos que faz valer a pena cada centavo do ingresso. Santoro consegue trazer para o personagem uma humanidade ímpar e imperceptível nos quadrinhos, levantando questionamentos sobre a percepção dos princípios básicos da existência humana, servindo como o laço que unirá os amigos nos momentos derradeiros da aventura. Uma participação rápida mas que nos faz desejar ver muito mais do personagem, e se servir como sugestão, a graphic novel Louco: Fuga seria formidável para um filme solo do personagem nos cinemas.
Se o seu medo era em relação a caracterização dos personagens, fique tranquilo. Percebe-se que a produção do longa preocupou-se com todos os pequenos detalhes, fazendo até mesmo piada sobre o fato de apenas Cebolinha usar calçados nos gibis. Há ainda a participação de outros personagens dos gibis como Titi, Maria Cascuda, Jeremias, Xaveco, Quinzinho e até mesmo as gêmeas Cremilda e Clotilde, todas as inserções realizadas em contextos divertidos e que irão arrancar o sorriso dos fãs mais antigos.
Mas é o quarteto principal que faz de Turma da Mônica: Laços uma aventura deliciosa de se assistir. E é nesse momento que deve ser elogiado a escolha do elenco, os atores conseguem incorporar trejeitos e o carisma dos personagens criados por Mauricio de Sousa.
Embora a importância dos quatro seja igualitária diante do material estabelecido nos gibis, Gabriel Moreira como Cascão e Laura Rauseo como Magali são responsáveis pelos melhores momentos de alívio cômico da história, ambos começam a trama tímidos mas terminam em pé de igualdade com os outros dois atores mirins, trazendo para a tela as principais características dos personagens criados há mais de meio século.
Já Kevin Vechiatto e Giulia Benite foram um achado! Os intérpretes de Cebolinha e Mônica roubam o filme, Kevin incorpora a sagacidade e destreza de Cebolinha, enquanto Giulia incorpora perfeitamente a personagem tão forte, e ao mesmo tempo tão meiga e sensível. A dupla protagoniza as duas cenas mais emocionantes do longa, levantando um interessante questionamento sobre o bullying em uma cena de cortar o coração, uma cena forte mas necessária para mostrar a evolução dos personagens em relação a época de sua criação, amplificando ainda todo o talento dos jovens atores. E aqui volto à frase utilizada no início do texto, a amizade e o carinho que une os quatro amigos moldarão o caráter de seus personagens de um modo que eles ainda não sabem, mas aquele leitor que os acompanha há décadas já sabe como irá terminar.
Por fim, Turma da Mônica: Laços é um delicioso conto sobre perdão e amizade através dos icônicos personagens criados por Mauricio de Sousa. E deixar o criador dessa turma por último não é por acaso, o quadrinista faz sua participação especial (assim como outro certo quadrinista) em um papel hilário em que pode questionar sua própria criação.
Obrigado, Mauricio de Sousa!
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