Quantas perdas podem caber na vida de uma pessoa? A nossa existência é cheia de perdas e transcrevê-las ao decorrer de um livro pode tornar tudo mais profundo e triste, e pode nos mostrar, principalmente, o peso que cada uma dessas perdas tem em nossas vidas e o quanto elas nos moldam no decorrer de nossos dias.
O Peso do Pássaro Morto, romance de estreia da autora Aline Bei, consegue retratar perfeitamente isso.
Publicado pela editora Nós, o livro foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2018 na categoria estreantes com menos de 40 anos, isso porque o romance escrito em forma de poema chama a atenção pela honestidade com que retrata a crueldade do nosso dia a dia, principalmente do ponto de vista de uma mulher.
O Peso do Pássaro Morto conta a trajetória, dos 8 aos 52 anos de vida, de uma mesma mulher, aqui tratada sem nome. Podemos observar de perto os acontecimentos de suas vivências de menina ao longo de seu turbulento crescimento, até sua a vida adulta. Sua narrativa também acompanha seu crescimento, já que com 8 anos, a escrita tem poucas vírgulas, poucos pontos, algumas palavras erradas e vai melhorando com o tempo.
O romance em prosa poética passa por vários assuntos que valem ser discutidos em casa, em sala de aula, em clubes de livros e até consigo mesmo, como a infância, a maternidade, o abuso, a espiritualidade, a morte, vínculos afetivos, a depressão pós-parto e etc. Como lidamos com as situações, ainda mais quando essas situações acontecem com crianças, essa realmente é a melhor maneira de lidar? Se não lidarmos de uma maneira melhor, isso vai influenciar em algo na vida dessa pessoa lá na frente?
Ao darmos sequência na história da protagonista, entendemos que sim. Você sente como se pegasse os diários de uma pessoa para ler, e você vê essa evolução de escrita, de raciocínio e de pensamentos ao longo dos anos. E entende o quanto essas perdas e esses assuntos, que muitas vezes são tratadas como tabus, influenciaram na vida dessa mulher.
Nesse sentido, O Peso do Pássaro Morto lança luz sobre questionamentos fundamentais: por que temos tanto medo de falar abertamente sobre determinados assuntos? Assuntos que nos rodeiam, que fazem parte de nossas vidas, que podem vir a acontecer com a gente, mas que tendemos a evitar, talvez para “não atrair”. Preferimos fechar os olhos para um problema, ao invés de enfrentá-lo.
Ao longo do livro a protagonista sofre com outras questões (sem spoilers!), que acarreta em uma relação difícil com o filho, ela não se sente próxima dele e ele não busca por ela. Como essa relação se desenrola e como ambos lidam esse distanciamento é o que muitas famílias vivem, e que muitas vezes não sabem como expor ou tratar disso em casa.
“A maternidade da protagonista é uma eterna tentativa de se aproximar dos sentimentos que ela nutre pelo filho, uma tentativa encoleirada pela dor. E o filho, por outro lado, sente a distância e se fecha, vai se fechando cada vez mais”, diz a autora.
Até chegarmos ao ato final do livro, que pra mim, foi de longe a parte mais dolorosa. É quando entendemos que a personagem chegou no momento que ela tanto esperou, naquele lugar mágico que todos desejamos, com a aquela pessoa ou ser que desejamos e nada mais. Tudo está bem, tudo está certo… até simplesmente não estar.
O Peso do Pássaro Morto é um livro que me chocou bastante, por ser denso e cru, por não ter medo de expor tudo o que pensa, tudo isso adornado pela estética e pela beleza da poesia, criando um contraste entre a diagramação e a história que me fez refletir muito sobre a era conectada na qual vivemos. Muita aparência, mas ninguém realmente sabe o que verdadeiramente pensamos e sentimos. Sobre a relação com a morte, que o livro traz com força, a escritora ocupa os vãos de medo e impotência que costumam afetar a maioria de nós quando o assunto é lidar com a finitude. E acho que tudo isso torna O Peso do Pássaro Morto tão visceral e tão importante para a literatura contemporânea brasileira.
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