As adaptações de HQs finalmente chegaram ao cinema nacional. Tungstênio, O Doutrinador e em breve Turma da Mônica: Laços são obras com origens nos quadrinhos que chegam para explorar um novo gênero no cinema nacional, tão criticado pelas suas excessivas comédias e romances novelescos.
O Doutrinador é um personagem criado por Luciano Cunha em 2008 que após a negativa de algumas editoras para a publicação da HQ, tomou a frente e lançou a obra por conta própria em 2013 nas redes sociais. O lançamento da obra no Facebook coincidiu com as manifestações populares que tomavam conta do país. Com o reconhecimento da obra, uma edição impressa foi lançada em 2014 e rapidamente esgotada.
Assim como na HQ, o filme é carregado de emoções intensas e de sangue (muito sangue), Kiko Pissolato e Natália Lage se sobressaem aos demais em cenas dramáticas que podem arrancar lágrimas do espectador que é pego de surpresa com o trauma enfrentado pelo ex-casal.
As cenas alternam entre lutas frenéticas, conflitos psicológicos e conchavos protecionistas de quem está no poder. A fotografia é algo impecável e faz com que não seja a cidade que ambiente a história e sim o contrário. As manipulações em computação gráfica da paisagem urbana são verdadeiras obras de arte e trazem o clima das ilustrações das páginas para a tela de forma muito competente, algo que nos dá orgulhos de ver estampado nas telas de uma obra brasileira.
O filme pode, em certos momentos, incomodar por pequenos tropeços de roteiro e enredo, e pela atuação quase caricata dos vilões, algo que o cinema brasileiro de forma geral ainda tem que explorar e crescer. Quem conseguiu fugir desse incômodo foi Eduardo Moscovis que na pele de Sandro Corrêa deu um show com uma interpretação limpa e bastante convincente.
Porém esse incômodo logo dá espaço ao asco e revolta pela situação que instituições públicas são retratadas de forma fiel à realidade, em casos de total abandono e descaso com a população. É nesse momento que O Doutrinador fisga o espectador, por ele fazer em tela aquilo que muitas vezes temos vontade de fazer na vida real, quebrando tudo ao perdermos um ente querido para a falta de um leito de UTI, a falta de um médico, ao vermos pessoas se aglomerando em baixos de marquises enquanto figurões políticos se esbaldam em suas verbas para moradias em apartamentos de luxo.
Se nessa primeira aventura Miguel parte em busca de vingança pessoal, a série poderá explorar mais a luta contra o sistema que, independente de viés ideológico, poderá ser explorado com antagonistas que tenham camadas de personalidade que tragam para tela o debate sobre os desdobramentos da corrupção.
Comparar O Doutrinador a Batman Begins, O Justiceiro ou Demolidor seria a forma mais simples de dar ao espectador uma referência que ele já tenha se acostumado. O que diferencia o personagem dos demais citados é a ausência de um oponente físico a sua altura, algo que poderá ser explorado futuramente.
Para conhecedores dos demais personagens do Universo Guará, há easter-eggs que irão satisfazer o ego desses fãs sedentos por novas adaptações cinematográficas de HQs nacionais. Atente-se aos créditos, uma personagem que logo deve ganhar sua graphic novel é interpretada por uma atriz conhecida nacionalmente e a maneira como ela sai de cena durante o filme dá a entender que podemos esperar algo mais dela também nos cinemas ou na TV.
Há de se destacar a trilha sonora da obra, a versão de Brasil com P interpretada por Karol Conka, que abre o filme em imagens apresentadas em sincronia com as batidas da música dá o tom do que podemos esperar da adaptação. Não há espaço para batidas leves nem mesmo durante os créditos, exibidos ao som de Ostentação à Pobreza, de Rincon Sapiência.
No entanto, o orçamento reduzido de obras nacionais faz com que uma cena específica deixe a desejar em relação a todo o material apresentado anteriormente. Mas isso não tira o brilho e audácia de O Doutrinador, que se prova um ótimo filme de ação e tratando-se da primeira adaptação de um “super-herói” nacional para os cinemas, há de se elogiar o trabalho e esforço de todos os envolvidos para que essa obra chegasse às telas.
O Doutrinador pavimenta o caminho para um universo cinematográfico de super-heróis brasileiros no melhor estilo hollywoodiano. In Luciano Cunha we trust!
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