Após passar anos envolvidos com a comédia na TV e no cinema, Jordan Peele entregou em 2017 Corra (Get Out), seu primeiro filme como diretor. O longa de terror lhe rendeu indicações ao Oscar de Melhor Filme e Melhor Diretor, além da estatueta de Melhor Roteiro Original. Passados dois anos, o diretor entrega em Nós (Us) um terror tão instigante quanto o primeiro, carregado de mensagens sobre questões raciais, privilégios e segregação.
Em Nós, Jordan Peele entrega um trabalho ainda mais confiante e incisivo que em Corra. A trama gira em torno de Adelaide Wilson (Lupita Nyong’o) e sua família retornando para sua casa de praia para passar férias ao lado do marido Gabe (Winston Duke) e os filhos Zora (Shahadi Wright Joseph) e Jason (Evan Alex). Atormentada por um trauma de infância que está ligado ao local das férias, Adelaide vê sua paranoia aumentar a medida que o tempo passa, certa de que algo de ruim irá acontecer com sua família.
O que para os espectadores era sabido, para os personagens torna-se uma horripilante revelação ao enfrentarem uma “cópia” de toda a família os mantendo reféns em sua própria casa. A situação se torna ainda mais densa quando Red – a cópia de Adelaide – toma a frente como líder da situação confrontando a família, seu estilo de vida e os privilégios que tiveram durante toda a vida, explicando ainda a origem de todos que nasceram como cópias, ou sombras, como ela chama.
Esse confronto psicológico entre Adelaide e Red escancara o talento de Lupita Nyong’o, que encarna uma mãe apavorada e preocupada com sua família na mesma intensidade que encarna uma personagem surreal que demonstra através de sua voz rouca e personalidade um ser psicopata e extremamente perturbado. O contraste em cena é tamanho que poderia ser claramente interpretado como o trabalho de duas atrizes diferentes num show de interpretação de Lupita.
Ao colocar a família enfrentando suas sombras, o diretor nos convida a realizarmos uma introspecção acerca de nossos próprios demônios, tirar a máscara que cobre nossos rostos em busca de observarmos as tendências de nosso comportamento e como isso se reflete no modo que tratamos o próximo. E Jordan Peele faz isso com maestria, ao inverter o posicionamento sobre quem é o mais forte em determinada situação, escancara o que é feito diariamente em relação aos que estão a margem da sociedade.
Mesmo abordando assuntos como questões raciais, privilégios e segregação, Jordan Peele consegue transformar seu trabalho artístico e perturbador em entretenimento, criando um thriller que prenderá a atenção do espectador até o último take com um plot twist magistral.
Com doses sutis de humor e uma trilha sonora perturbadora – mérito de Michael Abels – Nós entrega uma obra para ser vista e revista em busca de simbolismos que podem passar batidos de imediato, mas que certamente não foram inseridos por acaso. Peele vai além ao invocar o questionamento sobre o que podemos fazer em favor daqueles que não possuem os mesmos privilégios que nós, podemos ajudá-los ou apenas encarar essas pessoas como sombras que passam despercebidas aos olhos da sociedade?
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