Continuando nossa série sobre história do cinema, vamos falar hoje do cinema mudo. Digamos que, desde a descoberta da fotografia, a humanidade sempre procurou uma forma de fazer registros de imagens em movimento. Tanto que, mal surgiu o cinematógrafo em 1895 (a experiência mais famosa que primeiramente possibilitou esse tipo de gravação) e em pouquíssimo tempo surgiram diversos outros produtos semelhantes, isso ainda no final do século XIX, e a tecnologia se desenvolveu tão rápido que antes de 1900 já havia surgido um certo mercado em torno dela, tanto na Europa como nos Estados Unidos.
Não foi mágica nem empolgação excessiva. O cinematógrafo foi a primeira experiência bem sucedida de registro de imagens em movimento, mas ele mesmo não foi inventado do zero, os Irmãos Lumière já tinham comprado a patente de um outro invento parecido do compatriota Léon Bouly. Eles fizeram algumas adaptações e, por acaso, os filmes que rodaram ainda estão aí pra contar a história (Bouly, coitado, foi esquecido), se havia outros que na mesma época conseguiram fazer algo parecido, os registros se perderam. Assim como a fotografia, que levou pelo menos uns 300 anos para ser aperfeiçoada e dominada, a gravação de filmes também passou por um longo processo até se tornar uma realidade.
Mas nenhuma das tecnologias surgidas na época resolvia uma outra questão para a qual a humanidade também procurava solução: a gravação de imagens com sons. É verdade que já existiam gravadores de som, e eles inclusive eram mais antigos até que o cinematógrafo. O fonógrafo, aparelho que parece uma vitrola, patenteado por Thomas Edison (ele de novo) em 1877, é tido como o primeiro capaz de gravar e, ao mesmo tempo, reproduzir sons, e há registros de aparelhos ainda mais antigos capazes de gravar, mas sem reproduzir.
Mas ninguém havia pensado ainda em uma maneira de gravar imagens em movimento com sonorização. Os primeiros filmes, portanto, ainda não tinham falas, o que caracterizou toda uma era do cinema mudo, e isso permaneceu assim até 1927, quando foi lançado O Cantor de Jazz, um filme que apresentava algumas poucas falas, mas que foi o primeiro, comercialmente falando, a mostrar personagens em diálogo sonoro. E mais uma curiosidade: a primeira fala da história do cinema é “vocês não ouviram nada ainda“.
Pode parecer para nós hoje que a falta de som representou uma grande limitação, mas na verdade, como aponta Philip Kemp no livro Tudo Sobre Cinema, esse aparente problema foi justamente o responsável pela enorme aceitação inicial da sétima arte e sua rápida popularização pelo mundo. Hoje todo grande estúdio tem escritórios em vários países, então existe uma verdadeira logística montada e pronta para que as produções, assim que estreiem em seu país de origem, estejam dubladas e legendadas em vários outros idiomas, podendo ser apreciadas por pessoas do mundo todo.
Porém, no início do século XX não se contava com esse grande aparato, por isso, o cinema mudo era muito mais fácil de adaptar, justamente por não ter falas. Se houvesse, o que era algo raro de acontecer, principalmente nos mais antigos, elas estavam escritas nos chamados intertítulos: víamos o ator abrir a boca e falar algo, e aí a fala dele aparecia escrita em seguida, ficando por alguns segundos na tela. Para adaptar aquela fala a outra língua era muito simples, bastava a quem recebesse a fita cortar esse intertítulo e inserir outro com a fala traduzida para a língua de seu país, ninguém nem ia perceber que o ator estava falando em outro idioma.
Se os filmes fossem falados desde o início, dificilmente o cinema teria se popularizado tão rápido, pois seria muito difícil dublar e legendar de forma eficiente em um mundo que ainda engatinhava na globalização, sem falar da tecnologia necessária para isso. Talvez até acabasse ganhando território de qualquer forma, mas teria demorado muito mais. A falta de som possibilitou que os filmes chegassem a todos os povos quase que simultaneamente, de maneira que até 1910 (menos de 20 anos depois do cinematógrafo) já havia se desenvolvido uma indústria em torno do cinema mudo.
E havia espaço pra tudo no cinema mudo: comédias, dramas, suspense etc. Em diversos países, os primeiros cineastas aproveitaram-se da magia de gravar imagens em movimento para contar as mais diferentes histórias, e o público se adaptou muito rápido a essa realidade. As primeiras salas de exibição surgiram ainda em 1896, exibindo os filmes gravados pelos Irmãos Lumière.
Expressividade no cinema mudo: a pantomima
Como ninguém podia ouvir os atores, eles foram desenvolvendo maneiras de conseguir passar as emoções necessárias aos espectadores. A pantomima, uma técnica herdada do teatro, foi uma estratégia importante que acabou se tornando um sinônimo de cinema mudo. Ela consiste em movimentos expressivos, que muitas vezes parecem até exagerados, mas que comunicam exclusivamente pelo gestual. Hoje está mais associada aos palhaços e mímicos.
https://www.youtube.com/watch?v=79i84xYelZI&list=PLEA02xFPywoIxSh14Fvn15_rTIQcFx4do
Grande astro do cinema mudo: Charlie Chaplin
Charles Spencer Chaplin nasceu na Inglaterra e foi para os Estados Unidos com uma trupe circense pela primeira vez em 1910. Depois de ter retornado à Inglaterra, a trupe voltou aos Estados Unidos em 1912, e Chaplin, desta vez, acabou sendo contratado pelo estúdio Keystone, um dos primeiros estúdios cinematográficos que existiu.
Lembramos que na época os produtores queriam fugir dos preços abusivos cobrados por Thomas Edison para o uso dos equipamentos de filmagem, então, a nascente indústria de Hollywood estava criando seu embrião na Califórnia, que além de tudo oferecia um clima muito mais propício, com sol praticamente o ano inteiro.
Chaplin se mudou então para a Califórnia, onde acabou se tornando um dos grandes astros do cinema mudo, e onde também deu vida ao seu personagem mais famoso: The Tramp, ou como ficou conhecido no Brasil, Carlitos. Se você já viu algum filme dele, sabe que eles eram mais voltados para a comédia, um humor bem inocente e até meio bobo, se olharmos com os olhos de hoje.
Os primeiros filmes eram curta-metragens em que Carlitos se envolvia em confusões nas ruas bem no estilo de comédia pastelão. Mas com o tempo Chaplin foi desenvolvendo também um lado mais crítico, o que culminou nos filmes Tempos Modernos, de 1936 (em que ele interpretava um operário de uma fábrica enlouquecendo pelo trabalho), e O Grande Ditador, de 1940 (em meio à Segunda Guerra Mundial, fazia uma caricatura de Adolf Hitler). Esses dois, apesar de já estarem na era do cinema falado, ainda tinham muitos dos traços do cinema mudo.
Se tiver a oportunidade, não deixe de conferir esses e tantos outros filmes criados nessa época. Hoje a ideia de um filme em que não existem falas pode parecer meio estranha, mas essa foi a realidade do cinema por muitos anos, e muitos filmes considerados até hoje obras-primas vieram dessa época, como estes a seguir (apenas algumas dicas, existe uma infinidade de filmes da época que valem muito a pena).
- Metropolis (1927)
- O Homem Mosca (1923)
- Ben-Hur (1925)
- Intolerância (1916)
- O Gabinete do Dr. Caligari (1920)
- O Encouraçado Potemkim (1925)
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