Não, não estamos falando do filme de 2015, estrelado por Alicia Vikander (a nova Lara Corft). Sabe aquela história que parecia não ter mais solução e, do nada, se resolveu por alguma conveniência? Ou então quando o(a) protagonista precisa de alguma coisa para vencer o vilão e o tal objeto simplesmente aparece pra ele(a)? Situações como essa podem ser chamadas, na linguagem técnica do cinema e das artes dramáticas, de Deus Ex Machina (pronunciado como “eks-máquina”), que literalmente significa “O deus saído da máquina”. Na maioria das vezes, o recurso é encarado como preguiçoso, mas em alguns momentos ele até faz sentido. O nome do filme de Alex Garland, inclusive, remete ao fato de a inteligência artificial se comportar como humana, “saindo” da máquina.
Mas a estratégia do deus ex machina vai bem além disso, remonta às tragédias gregas da Antiguidade (embora a expressão seja latina), nas quais, por vezes, a história se encerrava com um deus entrando na cena, saindo de dentro de uma máquina carregada até o palco (uma espécie de guindaste), e resolvendo todos os problemas insolúveis, afinal, se havia alguém que poderia resolver uma situação difícil, era uma divindade. As tragédias gregas tinham tramas bem complexas (traições, incestos e assassinatos eram mais comuns do que se imagina), e esse recurso fazia todo o sentido na sociedade da época: diferentes deuses eram cultuados em toda a Grécia, e o gênero dramático era usado justamente para representar a relação entre os homens e eles.
E, diga-se de passagem, os deuses gregos não eram nada misericordiosos nem deixavam os mortais resolverem suas questões com o livre-arbítrio, eles eram invejosos, mesquinhos, e interferiam o tempo todo nos assuntos mundanos, inclusive como forma de competição entre eles, ou simplesmente diversão em ver o sofrimento alheio. Os mortais eram brinquedos em suas mãos, por isso, para os povos que acreditavam neles, nada mais natural que um deles chegar e intervir em uma situação.
(No teatro grego, os atores encenavam a peça e o deus ex machina vinha de trás do palco quando era utilizado)
Apesar de ser algo antigo, o recurso não deixou de ser utilizado ao longo da história, passando também para o cinema, mas hoje não é mais simplesmente uma intervenção divina, embora possa se manifestar dessa forma também. Podemos dizer que todo o roteiro acaba utilizando em algum momento o princípio do Deus Ex Machina, porque toda narrativa é movida por um conflito, e este quase sempre precisa de uma série de muitas coincidências para se manter vivo. Um exemplo recente pode ser visto no filme Jogos Vorazes, em que Katniss escapa de diversas situações de quase morte. Em uma delas, a protagonista está sendo dominada por uma menina muito mais forte, sem chance de sobreviver, mas aí surge o rapaz do distrito 11 (o deus ex machina desse roteiro), que mata a menina, e convenientemente deixa Katniss ir, mesmo tendo a chance de matá-la, uma vez que ela ajudou Rue (também do distrito 11) em outra situação.
Veja bem, não é simplesmente preguiça do roteiro (que aliás segue rigorosamente o livro nessa cena), mas sim uma coincidência que conduz a história ao seu final, um jogo de causas e consequências que dá força à protagonista, pois a história está sendo contada de seu ponto de vista. Se ela tivesse morrido ali, nem haveria uma história, e por mais improvável que seja, não é inverossímil.
O deus ex machina também pode funcionar como um recurso cômico, muito bem explorado em filmes como os da franquia Todo Mundo em Pânico, em que sempre somos surpreendidos por uma solução bizarra saltando na tela (e também um conflito surgindo logo depois). Nesse caso, o compromisso com a realidade fica totalmente de lado (verossimilhança não deve ser levada em conta), e, lógico, há quem não aprecie esse tipo de humor, mas convenhamos que, dentro daquele universo, ele funciona.
Obviamente, você já deve ter se deparado com histórias em que o deus ex machina tirou toda a credibilidade do roteiro ou mesmo estragou tudo. Infelizmente, muitas vezes o recurso só é usado por pura preguiça de pensar em uma solução melhor. A partir de agora, pelo menos, quando você encontrar um final desses, já sabe a quem culpar.
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