Ainda no clima de quarentena, bem apocalíptico, com mistura de carência afetiva e medo de ter covid, saiu Boca a Boca, a nova série brasileira da Netflix, que tem sido muito bem avaliada e conseguiu também ser bem atual, fugindo do estereótipo da série adolescente bobinha. Esmir Filho, o cineasta por trás de todo o enredo conseguiu despertar o meu interesse e consequentemente uma boa nota na minha crítica aqui, com uma jovialidade incrível e uma psicodelia que brinca com o futuro e os anos 80.
Divulgação / Netflix
A história de Boca a Boca se passa em uma cidade fictícia no interior do Brasil, chamada de Progresso, onde os jovens começam a contrair uma doença transmitida pelo beijo, depois de irem a uma rave para além dos limites permitidos da cidade.
Os protagonistas dos acontecimentos, que passam a investigar os casos, são Alex (Caio Horowicz), Fran (Iza Moreira) e Chico (Michel Joelsas), três jovens de perfis e vidas completamente diferentes. Enquanto Alex é filho do fazendeiro mais famoso e milionário da cidade, é vegano e vive em conflito com a família, Fran é filha de Dalva (Grace Passô), que trabalha para a família tradicional e está prestes a ser despejada da fazenda. Já Chico é o aluno novo, da cidade grande, mente aberta e que se relaciona com outros rapazes por meio de um aplicativo.
Por esse breve resumo até parece uma história adolescente comum, porém Boca a Boca é muito diferente e muito mais rica. Está além do enredo e embarca em uma experiência sensorial, com direito a imagens psicodélicas, em cor neon, e uma trilha sonora de cair o queixo, misturando uma canção original feita por Letrux, Trupe Chá de Boldo, uma versão de Boi da cara preta, Baco Exu do Blues e outras bandas indies estrangeiras.
Por alguns minutos, Boca a Boca faz você esquecer que está diante de um cenário rural, para depois retornar e ainda incluir alguns aspectos rituais e místicos, da tribo que habita ali nos limites da cidade e será a chave para toda a cura dos jovens, que estão sofrendo nos hospitais.
Esmir diz que se baseou em Goiás Velho para criar Progresso, um lugar conservador que preza pelos bons costumes. E os personagens de Boca a Boca vão a todo momento tentando quebrar os paradigmas dessa sociedade, seja por meio dos vestuários, maquiagens, vídeos e dança (um grupo faz apresentações de hip hop nos intervalos). O corpo é a forma presente para acabar com as diferenças e as desigualdades, entrando no debate da sexualidade e das descobertas, pelas quais todo jovem passa.
A presença do universo digital também é muito significativa em Boca a Boca, na qual as informações são disponibilizadas em uma velocidade absurda, tanto sobre a epidemia, como da vida de todos da cidade. Esse aspecto é muito realista, como temos visto atualmente, o celular toma conta de diversos aspectos da nossa vida, em especial em momentos como esse. Tudo é documentado e comentado, sem deixar de lado os julgamentos dos colegas, medos, desconfianças e também provocações, levadas pelos próprios desejos dos jovens.
A direção de Esmir Filho e Juliana Rojas é primorosa, em como as atuações, desde os atores mais jovens aos veteranos, que conta com as participações de Denise Fraga e Bruno Garcia. Os locais das gravações chamam muito a atenção, e as cores escolhidas tornam toda a experiência maravilhosa, com seus seis episódios curtinhos e facilmente maratonavéis.
Boca a boca é uma série necessária para os dias atuais, e o surto é apenas um objeto de representação da repressão que os corpos sofrem e sempre sofreram, tendo que lutar para transformar visões e abrir novos caminhos num universo conservador. A pandemia, nesse contexto serve para discutir a mudança e repensarmos nossas relações, desde o âmbito familiar até o comunitário. E em meio a tanto medo, tantas desgraças, a mensagem que a série pretende passar é de afeto, fugindo do clichê apocalíptico, a epidemia se torna revolução.
Você pode conferir a primeira temporada de Boca a Boca, na Netflix.
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