Coringa (Joker), filme estrelado pelo ator indicado ao Oscar Joaquin Phoenix e que conquistou o prêmio Leão de Ouro como melhor filme do Festival de Veneza (Venice Film Festival), enfim chega aos cinemas brasileiros.
Recheado de polêmicas em torno do endeusamento do comportamento (considerado por alguns) incel do personagem, cabe aqui a seguinte questão: será que trata-se realmente do endeusamento de um personagem vilanesco ou a polêmica gira muito mais em torno da forma crua e sádica com que o filme expõe as mazelas da sociedade e joga isso em nossa cara sem cerimônias?
Incel é o termo utilizado para descrever em suma o homem branco heterossexual incapaz de relacionar com uma mulher por falta de traquejo social, imputando-lhe ao meio que vive a culpa pelo seu fracasso. Este indivíduo irá revidar através da violência, misoginia, tirando a culpa de si e transferindo a um terceiro, geralmente as mulheres.
É aqui que entra o ponto da discussão, no filme, a violência de Arthur é direcionada aos ricos e poderosos de Gotham e não às mulheres de maneira específica, e o fato de vermos a história sendo contada a partir de seu ponto de vista pode levar alguns a crer que o Coringa é realmente uma vítima da sociedade, compactuando com suas atitudes. Um erro!
A escolha do diretor Todd Phillips em situar o filme em meados dos anos 70 é acertadíssima e serve para mostrar que mesmo após 50 anos, a sociedade pouco evoluiu. Isso faz com que parte do público coloque-se no papel do protagonista, pois deveríamos sim nos envergonhar com situações que pouco ou nada mudaram em meio século.
Ao mostrar o mundo sob o ponto de vista de Arthur, o longa dá voz a máxima de que “todo vilão é o herói de sua própria história”, incitando essa vitimização através de tomadas, figurinos, luz e até mesmo trilha sonora.
Tratar Coringa como vítima é um erro crasso, o filme dá uma “origem” ao personagem que nos quadrinhos chega ao ponto de matar um adolescente com um pé de cabra, e este talvez seja um dos principais questionamentos que o filme apresenta, o que você faria? Afinal, milhares, quiçá milhões de pessoas passam por situações idênticas a de Arthur, quantas sucumbem a seu lado sombrio?
O trabalho de Joaquin Phoenix é extraordinário, o ator perdeu mais de 20 kg para incorporar o personagem, sua aparência incomoda, é angustiante. A forma como o ator trabalha as risadas do personagem durante o filme, suas diferentes personalidades, a forma como constrói e desconstrói seu personagem até o momento em que se torna verdadeiramente o Coringa, tudo serve para enaltecer ainda mais o trabalho do ator, que merece ser ao menos lembrado no Oscar.
Sobre a parte técnica do filme, há de se salientar a fotografia de Lawrence Sher, os jogos de luz e sombra adotados no longa são brilhantemente utilizados para demonstrar a evolução do personagem, de um personagem subnutrido e maltrapilho ao símbolo da ascensão do crime de Gotham.
A trilha sonora de Hildur Guðnadóttir é primorosa, responsável por ajudar a transmitir as inúmeras sensações desagradáveis ao longo do filme, ouso dizer que trata-se da melhor trilha de um filme baseado em quadrinhos desde O Cavaleiro das Trevas.
Pouco há para se falar da direção de Todd Phillips, corajoso por criar uma história “humana” para o personagem mais insano da DC, o diretor acerta ao deixar as HQs de lado embora exista muito do Coringa dos quadrinhos em cena, além das referências a O Cavaleiro das Trevas (Frank Miller) e A Piada Mortal (Alan Moore).
Tal qual O Cavaleiro das Trevas (2008), Coringa eleva o status quo das adaptações de quadrinhos a um novo patamar, provando que ainda há muito a se explorar do gênero.
Celebre, discuta, debata sobre o filme, mas não celebre as atitudes de seu protagonista, isso dirá muito mais sobre você do que sobre o filme.
Coringa é brilhante, corajoso, perigoso, indicado para pessoas maduras que entenderão nas entrelinhas as críticas sociais e políticas a uma sociedade que parece presa no século anterior.
[rwp-reviewer-rating-stars id=”0″] (com louvor)
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