Os nomes de filmes sempre acabam gerando expectativas no público. Quando estamos aprendendo outra língua, é muito comum nos vermos confusos com alguns termos que não expressam exatamente aquela mesma ideia que passam na nossa língua original. Essa confusão, no entanto, não traz dor de cabeça só aos iniciantes, mas também às pessoas mais experientes, e entre essas últimas estão, sem dúvida, o pessoal que traduz títulos de filmes.
É claro que é preciso reconhecer que muitos filmes acabam ganhando nomes no Brasil totalmente esdrúxulos e sem sentido (isso quando não acabam dando algum spoiler), mas também precisamos valorizar o trabalho de quem dedica a vida a tornar acessível para o público em geral (que muitas vezes não é um profundo conhecedor de outra língua) aquilo que vem de fora.
Primeiro porque não existe nenhuma tradução perfeita, mesmo no nível mais básico, e já discutimos aqui, por exemplo, o caso da palavra cop em inglês. Segundo, a definição do título não depende de uma única pessoa, envolvendo além de uma equipe de tradução toda a equipe de marketing e de distribuição de um filme.
Hoje, as grandes produtoras possuem escritórios em todo país que represente um bom mercado consumidor (o Brasil, com 200 milhões de habitantes, não fica de fora) e as pessoas, feliz ou infelizmente, compram produtos pelo nome, por isso, o pessoal da produção precisa não apenas traduzir, mas adaptar o nome a uma realidade completamente diferente daquela em que a obra foi produzida, de forma que procure gerar o mesmo impacto causado nas pessoas do país original.
Assim, títulos de filmes muitas vezes não são exatamente iguais ou uma tradução retirada literalmente do nome original, e nem mesmo em países que falam a mesma língua: pode procurar, por exemplo, títulos de filmes em Portugal, são completamente diferentes dos daqui.
Como uma pessoa que defende os tradutores do país, coloco a seguir alguns títulos de filmes que acredito terem melhorado a ideia dos títulos originais, com justificativas. Sinta-se à vontade para discordar ou até acrescentar outros que achar legais.
Os Fantasmas se Divertem (original: Beetlejuice)
https://www.youtube.com/watch?v=tQeWzxH62OM
Um dos filmes mais apontados em listas como exemplo de má tradução, mas que no fim das contas ganhou um título muito mais carismático no Brasil. Se você traduzir ao pé da letra vai obter a nada honrosa expressão “suco de besouro” que significa… absolutamente nada. Beetlejuice é o nome do fantasma antagonista (Michael Keaton), uma espécie de trocadilho com o nome Betelgeuse (uma estrela, cujo nome vem de uma expressão em árabe), mas é só o nome mesmo, não tem qualquer relação com a história ou algum significado holístico.
“Besouro-suco” foi o nome do fantasma traduzido na versão dublada, e não poderia ser diferente, trata-se apenas de um nome coincidentemente formado por palavras já conhecidas, mas que não serviria para um nome de filme, porque, justamente, não significa nada (em inglês serviu, mas no Brasil não teria apelo algum). Pelo menos o título brasileiro ainda serviu para indicar que se tratava de uma comédia, não um filme de terror, o que poderia afastar uma boa parte do público.
Apertem os cintos, o piloto sumiu (Original: Airplane!)
Ok, eu admito que ficou um pouco longo demais, mas sinceramente, “Avião!” (a exclamação é importante) não tem apelo comercial algum. As pessoas iriam automaticamente se perguntar: é drama? É comédia? É um filme-catástrofe? Na época em que foi lançado, o diretor David Zucker era famoso por paródias nonsense de filmes mais antigos, então o Avião do título fazia sentido para o público americano, mas não para o brasileiro, que recebeu uma paródia da frase tão utilizada dentro dos aviões, que, sinceramente, pode não ser uma ótima piada, mas tem sua graça.
Garota Infernal (Original: Jennífer’s Body)
Pode não ser um filme que todo mundo gosta, nem um de que todos se lembram, a qualidade é discutível, mas o título ficou muito melhor em português. A tradução literal seria “O Corpo de Jennifer”, fazendo referência à personagem de Megan Fox, que é sacrificada em um ritual malsucedido e se torna um demônio devorador de homens. O título brasileiro pode parecer clichê, mas tem um traço de ironia que o original não tem, e acaba combinando muito com o traço irônico do filme, que mostra a “mulher gostosa” se transformando em um pesadelo para os pobres estudantes.
Sobre Meninos e Lobos (Original: Mystic River)
Tudo bem, não tem nenhum lobo na história, e os “meninos”, no caso, já são homens formados. O caso desse filme é um pouco mais complexo porque ele é baseado em um livro, que já havia sido publicado no Brasil com este outro título, então a distribuidora não conseguiria mudá-lo, porque isso implicaria na desvinculação do nome (quem havia lido o livro, por exemplo, não reconheceria).
Mas há um quê muito mais poético no nome brasileiro, que reflete a grande metáfora da história, enquanto o nome original faz referência simplesmente ao lugar, uma cidade nos arredores de Boston, que em tradução literal significa Rio Místico (mas apenas como nome de lugar mesmo, o equivalente em português a Rio Tietê, por exemplo), e obviamente não significa nada para o espectador daqui. Mudar o nome para um local mais reconhecível para o brasileiro também seria desonesto, então a solução encontrada certamente foi muito sábia.
It: A Coisa (Original: It)
Mais uma vez, trata-se de um filme baseado em livro, que também já tinha um título brasileiro antes de o filme ser lançado. Aliás, o próprio filme já tinha uma versão anterior, de 1990, que ganhou no Brasil o subtítulo “Uma obra-prima do medo”, mas sem “A Coisa” do novo título. Embora não seja a solução mais brilhante possível, o nome do filme no Brasil procurou, da melhor forma que deu, traduzir o sentido do pronome “it” em inglês, que não possui um equivalente em português.
Como você deve se lembrar das aulas de inglês, “it” é usado para se referir a uma terceira pessoa do discurso que não é feminino nem masculino, um pronome neutro, muito usado para definir objetos e noções abstratas, como é o caso do palhaço Pennywise, um ser completamente abstrato, que não dá pra definir com precisão. E em português, quando não sabemos (ou de repente não lembramos) o nome de algo, é quase automático usar a palavra “coisa”. Seria simplesmente impossível traduzir para o brasileiro o impacto do nome it, então essa foi, sem dúvida, a melhor forma de passar essa sensação.
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Interessante o post…
Vejo muita gente reclamando disso e daquilo mas muitas vezes elas mesmo se esquecem que as pessoas que vão ver os filmes não tem lá o nível cultural delas e acabam enxergando erros onde eu vejo acertos e acertos onde eu vejo erros…Somos um país continental e não devemos nunca achar que o que existe em São Paulo,por exemplo,existe no interior do Amapá pois estamos num país grande e cheio de complexidades e complexo demais para ser levado a ferro e fogo como alguns querem…
Como disseste,nenhuma tradução é 100% perfeita mas aqui funciona e é o que importa.Não vai agradar a todos mas tem gente que pensa que traduzir tudo ao pé da letra resolveriam as coisas quando se bem sabe que não é bem assim.Se já é complicado com filmes e séries,imagina com as músicas que podem ser gírias de um lugar específico ou se tratar de uma gíria pra alguma ação especifica daquele lugar e que resolveram colocar como nome de uma música,hein?
No mais,não se vai agradar ninguém nesse mundo mas temos sempre de pensar no contexto que foram feitas estas traduções pois se ficarmos achando que tudo gira de acordo com o que vivemos nesses ano de 2020 e não lembrarmos que cada época tinha o seu próprio modo de agir,ser e pensar,sempre vamos ficar achando que tudo está errado.
Enfim,parabéns pelo trabalho.
Olá, Giuliano,
Obrigado pela leitura e pelo elogio. Sem dúvida, o que mais vemos na internet são pessoas criticando o trabalho das outras sem levar em consideração as inúmeras questões que envolvem esses trabalhos. Com isso,esperamos que pelo menos esses “críticos compulsivos” reflitam um pouquinho.
Um abraço.